17 fevereiro, 2010

Separação e/ou equilíbrio de poderes?

Escrever sobre o caso das escutas da “Face Oculta” é, para quem conhece, como tentar contar uma piada da série “Curb your enthusiasm” de Larry David. Impossível de fazer sem contar todo o episódio e a série de acontecimentos conexos e anteriores.

Por isso, robalos e sucata à parte, na edição de sexta-feira, o semanário SOL revela alguns conteúdos de um despacho judicial onde a transcrição de algumas escutas telefónicas em que intervém o primeiro-ministro indicia a suposta intenção de interferir no sector da comunicação social e afastar jornalistas incómodos.

O primeiro-ministro denuncia e acusa o jornal SOL de crime de violação do segredo de justiça, ao mesmo tempo que se insurge contra o que considera serem ataques à sua pessoa, mas também à justiça, ao PGR e ao STJ.

Terão sido boas e justas as decisões de arquivar o despacho do tribunal de Aveiro? Pese embora a consideração de “irrelevância criminal” deveria, ou deverá o Parlamento investigar as suspeitas? Porque não se ouve o PR falar sobre este assunto?

O director do semanário SOL, José António Saraiva diz em entrevista ao i que:
No único almoço que o “Sol” teve com Sócrates em São Bento, ele às tantas disse-me que “isto de a gente tentar comprar jornalistas é um disparate, porque a melhor forma de controlar a imprensa é controlar os patrões”. Foi extraordinário o desplante de ter dito isto e depois ter posto esse plano em prática. De há algum tempo para cá, a sua estratégia tem sido controlar os patrões: foi o “Diário Económico” comprado pela Ongoing, a Controlinveste através do financiamento bancário, a TVI através da compra pela PT e depois com a Ongoing e por aí fora. A pouco e pouco, o que a gente vê é que a margem de liberdade começa a ser muito limitada através desse mecanismo simples: entrar por cima, sobretudo num período de crise económica, em que todos os grupos vivem com dificuldades financeiras e em que a chantagem e o controlo têm repercussões enormes, porque toda a gente tem medo de ter dificuldades de financiamento ou de publicidade se estiver contra o governo.

Já escrevia Alexis de Tocqueville em A Democracia na América (1835) que a influência de um poder é proporcionalmente aumentada à medida que é centralizado. Tocqueville comparava a dupla centralização da imprensa francesa da época (poucos órgãos de imprensa concentrados em poucos locais e em poucas mãos) com a imprensa dos Estados Unidos, onde o vasto número e disseminação geográfica, assim como a facilidade em editar um periódico, tornavam a liberdade de expressão algo que não era visto como uma ameaça permanente de revolução, dada a pluralidade de opiniões possíveis e a relativa incapacidade de inflamar as paixões do público.

A questão terá talvez um fundo filosófico... Montesquieu (O Espírito das Leis, 1803) não falava em separação de poderes num sentido estrito e até jurídico. A essência e condição fundamental da liberdade política é o equilíbrio dos poderes. Isto é, o sistema de checks and balances. Por outras palavras, os vários poderes (e incluiríamos aqui também o poder económico e o poder mediático) devem ter capacidade para coarctar os abusos de uns e de outros. E haverá sempre tendência para abusos. Onde e sempre que haja poder.
Portanto, o problema poder-se-ia colocar da seguinte forma:
Se os media se tornaram uma das principais formas de controlo dos abusos de poder nas sociedades contemporâneas e a lógica do capitalismo tende a concentrar os recursos económicos e mediáticos em grandes monopólios, onde as relações com os governos nem sempre são claras, então, quis custodiet ipsos custodes?