23 novembro, 2009

“O que é atípico não serve de exemplo”

Prestes a completar o seu quinto aniversário, o caso “Casa Pia” vem esgotando a expressão “recta final” dado que não se prevê ainda uma data para a sua conclusão.

A propósito deste caso Pierre Guibentif (professor de Sociologia do Direito no ISCTE) citado pelo Público diz que dadas as "particularidades políticas melindrosas", não são aconselhadas considerações em meio académico.

Talvez...

Contudo, não se podem ignorar os efeitos concretos que o caso já teve, designadamente ao nível da recente reforma do Código de Processo Penal, como foi admitido pelo ex-Ministro da Justiça Alberto Costa. Já para não falar das recentes confusões em torno da validade das escutas no caso “Face Oculta”. Que mais surpresas surgirão do novo CPP?

Como diz Guibentif ao Público, “o que é atípico não serve de exemplo”.
De facto, a grande maioria dos casos mediatizados em Portugal desde a década de 90 do séc. XX poderá não constituir bom exemplo do que o comum dos cidadãos irá encontrar quando se encontrar perante um tribunal.
O problema são as imagens e representações que os cidadãos constroem da justiça (e dos próprios valores de cidadania e da democracia) tendo por base esses mesmos casos “atípicos” que dominam as agendas políticas e mediáticas. Talvez estas já possam ser alvo de considerações em meio académico.

16 novembro, 2009

"Problema comezinho"

O ex-Presidente da República Mário Soares diz que o caso “Face Oculta”, enquanto questão política não passa de um problema comezinho.

Ora, da mesma opinião parece partilhar o actual Presidente da República Cavaco Silva, quando
outro recente caso de escutas se revelou bem mais “preocupante” para si.

Como escrevíamos em post anterior, e Mário Soares parece concordar, a comunicação social gosta imenso destes casos (particularmente, quando há mandados de busca e eventuais escutas a ser reveladas a conta-gotas).
Quanto ao Primeiro-Ministro, se o presidente do STJ e o PGR não acharam matéria criminal nas escutas, daí lavando as suas mãos, então, está a transformar-se este num caso eminentemente político não exclusivamente judicial, como pretendem Mário Soares e Cavaco Silva.
E, talvez por isso, o recorrente tema da violação do segredo de justiça venha de novo à superfície, abrindo uma janela de oportunidade para o seu fim.

Como diz Pinto Monteiro:
“o que acontece é que temos meio segredo de Justiça. Isto é, aquilo que em determinado momento convém a quem viola o segredo de Justiça vai para os meios de comunicação social. A outra parte não vai. E meia verdade às vezes é completamente mentira".

Seguramente, há muito que este caso deixou de ser apenas do foro judicial. É político – e o governo ainda agora tomou posse. É mediático – e as crises, fusões, concursos e aquisições no mercado dos media estão longe de acabar. E é social – quando o PGR afirma em comunicado que “ninguém, designadamente políticos, poderá ser beneficiado em função do cargo que ocupa, como não poderá ser prejudicado em função desse mesmo cargo, devendo a lei ser aplicada de forma igual para todos”.
Já o cidadão comum pergunta por que é que, sendo a lei aplicada de forma igual para todos, há leis especiais só para alguns. E vacinas, já agora!

10 novembro, 2009

Duas notas para a semana que começa

Em primeiro lugar, com a investigação da “Face Oculta” a ser revelada em pequenas doses homeopáticas conseguem-se duas coisas:

- O “cozinhar” em lume brando dos arguidos que já o são, assim como dos eventuais e putativos.

- Que a indústria mediática possa ir variando a “ementa” (agenda), onde pratos como a gripe A ou a “crise” no PSD estão há muito requentados.

Em segundo lugar, lê-se no
Diário de Notícias de hoje que:
“Muitos presos que cometeram crimes violentos são libertados, quer pelo fim da prisão preventiva quer por beneficiarem de saídas precárias ou de liberdade condicional, e voltam a cometer crimes. As polícias querem evitar novas vítimas e querem ser informadas sobre essas saídas. O secretário-geral de Segurança Interna tem uma proposta concluída.
O secretário-geral de Segurança Interna vai enviar para apreciação da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) uma proposta de protocolo para que os Serviços Prisionais passem a informar as forças de segurança sempre que um detido deixa o estabelecimento prisional em saída precária, em liberdade condicional ou termina a prisão preventiva.“


Isto é grave e sintomático, apesar da “boa intenção” de evitar novas vítimas. Por um lado, reconhece-se que os objectivos de reinserção social não são cumpridos, dando a ideia que Tribunais de Execução de Penas são incompetentes. Por outro lado, tal medida pode representar mais uma dificuldade para o indivíduo libertado que dificilmente conseguirá ter uma vida “normal” sob a vigilância permanente das autoridades.

02 novembro, 2009

A "face visível"

É interessante que um processo que está a ser investigado há um ano tenha, aparentemente, conseguido permanecer em completo segredo. O que é um excelente sinal da competência e profissionalismo dos investigadores e magistrados envolvidos.

Contudo, e à semelhança de outros casos, a partir do momento em que surgem notícias de detenções para interrogatórios, não só aparecem nomes sonantes que também estarão a ser investigados, mas também os contornos das alegadas suspeitas.

Nos últimos dias, têm sido elaboradas notícias em vários órgãos de comunicação social com base no que se diz ser o mandando de busca e detenção, sendo inclusive transcritos do documento pormenores e circunstâncias indiciadoras do crime. De acordo com o artº 141º, é um direito que assiste aos indivíduos detidos para interrogatório ser inteiramente informados dos motivos circunstanciados que levaram à sua detenção.

Ora, como diz o José da
Porta da loja:

É por isso verdade que durante um ano, apesar das investigações complexas certamente, ninguém da PJ do MP ou do JIC bufou fosse o que fosse para o exterior. Porque o iriam fazer agora, e principalmente na altura em que se torna mais delicada a informação recolhida? (…) Não vai faltar gente que logo e a seguir venham dizer que foram os magistrados porque eles é que têm o processo…e têm interesse no assunto.
Interesse em quê? Em que se saiba que há suspeitos e arguidos conhecidos e que estão envolvidos? Então se o processo dura há mais de um ano e só agora se sabe, por causa das buscas que evidentemente ocorreram, porque não imputar a outros suspeitos a divulgação?
Mais, durante as buscas, intervieram mais pessoas e mais circunstâncias que tornam alargadas a pessoas estranhas o conteúdo dos autos por uma simples razão que também decorre da regulamentação das buscas no actual CPP: mostrar tudo a todos para que todos saibam ao que vão, numa brilhante solução processual de Rui Pereira e sua unidade de missão…impossível.


À vista do que está escrito acima, e de acordo com a redacção do art.º 86º do CPP, nº8, alíneas a e b, isto é, o segredo que recai sobre o conteúdo de actos processuais, torna-se quase inevitável que tudo venha a ser exposto na praça pública, desde que tenha interesse.

A questão será: interesse de quem?
Do público?
Da fonte?
De quem difunde a informação?

De quem investiga e quem procura fazer justiça, não parece ser, certamente.

Resta aguardar para ver se toda esta publicidade vai adiantar alguma coisa… e a quem?