12 outubro, 2009

Segredo de justiça

“Acusados de violação do segredo de justiça, no âmbito do processo Casa Pia, 20 jornalistas começaram a ser julgados, hoje, no Tribunal de Oeiras.

A divulgação do conteúdo de escutas telefónicas ao dirigente do Partido Socialista, Ferro Rodrigues, é uma das questões em causa.

O processo já fora proposto para arquivamento, por ter sido entendido que não existiu dolo (intenção) na prática do crime e já que, segundo a lei, sem dolo, não existe violação do segredo de Justiça.

O Ministério Público decidiu, contudo, recorrer da decisão e o Tribunal da Relação de Lisboa deu-lhe razão, determinando a realização do julgamento.”

Público - 7 de Outubro de 2009 (Paula Torres de Carvalho)


Ao longo das últimas décadas, o reduzido número de jornalistas condenados por violação do segredo de justiça parece indicar uma quase inaplicabilidade da lei, confrontada com o direito à informação, liberdade de expressão, sigilo das fontes, etc.

Se entendermos que o segredo de justiça tem por fim salvaguardar o bom funcionamento da justiça por via da protecção da investigação ou, de acordo com a última revisão do Código de Processo Penal, da protecção dos direitos dos intervenientes processuais, a pena associada ao crime parece desvalorizar estes princípios.

De facto, como assinala Cunha Rodrigues, parece verificar-se uma atitude dualista perante o segredo de justiça, sendo a sua violação pouco relevante na maioria dos casos, mas gerando controvérsia quando afecta indivíduos com um certo estatuto social ou político (Rodrigues, 1999: 35).

O segredo de justiça é, inclusive, caracterizado por um dos jornalistas entrevistados no âmbito do projecto, como uma “arma de arremesso para atirar às pernas dos jornalistas”.

Pode-se argumentar que numa sociedade de pleno direito democrático não se justifica que existam segredos em matérias que configuram pertinente interesse público, invocando-se a necessidade de uma maior abertura e transparência do sistema de justiça. Aliás, como diria Jürgen Habermas, a publicidade do processo e o seu escrutínio público faz parte das funções de controlo democrático por parte da esfera pública (Habermas, 1984: 49-50).

Todavia, e como o segredo pode ser requerido por qualquer das partes, parece quase forçoso que em qualquer processo que envolva figuras públicas, ou que se torne mediaticamente visível, seja invocado o segredo, limitando o escrutínio público onde este mais se justificaria.

Quando há fugas de informação em processos mediáticos é frequentemente difícil compreender até que ponto é que o “interesse público” predomina sobre o “interesse do público”, ou sobre vários interesses difusos (económicos, políticos, pessoais, estratégicos, etc.).

Em jeito de nota final, e ao cabo de alguns meses em que as investigações judiciais marcaram a agenda política, deixaríamos em aberto ao espaço de comentários a seguinte questão:

Até que ponto e em que moldes é que se verificam interacções e articulações entre a periodicidade eleitoral, os ritmos e tempos da justiça e as agendas mediáticas?


Habermas, Jürgen (1984) The theory of communicative action. Vol I, Reason and rationalization of society. Boston: Beacon Press. http://www.amazon.com/Theory-Communicative-Action-Rationalization-Society/dp/0807015075.

Reis, Eurico (2001) “Os tribunais e a comunicação social”. Comunicação ao VI Congresso dos Juízes Portugueses, Aveiro 8 a 10 de Novembro de 2001. Disponível em http://www.asjp.eu/siteanterior/congressos/6congresso_06.html, acesso em 18/06/2008.

Rodrigues, José Cunha (1999) Comunicar e julgar. Coimbra: Minerva.


Sem comentários: